Shantala: prática, evidências e estratégias para sua implementação na atenção integral à infância
A Shantala é uma técnica tradicional de massagem infantil que se tornou, nas últimas décadas, um importante recurso de cuidado afetivo e terapêutico para bebês e suas famílias. Incorporada como prática integrativa no SUS e amplamente difundida por profissionais que observaram seu efeito no vínculo e no desenvolvimento infantil, a Shantala combina toque, oleação e sequência rítmica de movimentos que favorecem a regulação emocional, a homeostasia fisiológica e o desenvolvimento neuromotor. Este artigo explora, de forma minuciosa, a origem e a difusão da técnica, os mecanismos de ação, os benefícios documentados, os cuidados e contraindicações, as estratégias práticas para sua oferta contínua e segura (tanto em unidades de saúde quanto no domicílio), bem como as etapas de formação de profissionais, monitoramento e avaliação de programas. Ao final, proponho um roteiro operacional para implementação local e sugestões de pesquisa e ampliação da prática dentro de políticas públicas.
1. Breve histórico e marco institucional
A Shantala tem raízes em práticas tradicionais de cuidado corporal em várias culturas; tornou-se conhecida internacionalmente por meio de relatos de profissionais que observaram e divulgaram a técnica como um recurso de cuidado neonatal e infantil. Nas políticas de saúde brasileiras, práticas integrativas passaram a ser reconhecidas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), e a Shantala foi inserida entre as práticas recomendadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Programas nacionais de atenção à maternidade e à primeira infância (por exemplo, a Rede Cegonha) e a própria legislação que regula o SUS fornecem o contexto para integrar ações como a Shantala na rotina dos serviços de atenção básica.
2. Fundamentação teórica e mecanismos de ação
A eficácia da Shantala apoia-se em múltiplos mecanismos inter-relacionados:
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Toque afetivo e regulação neurobiológica: o toque rítmico e suave ativa vias sensoriais e afeto-regulatórias (sistema tátil, sistema nervoso autônomo), favorecendo equilíbrio entre tônus simpático e parassimpático, reduzindo cortisol e promovendo uma sensação de segurança.
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Estimulação sensório-motora: movimentos direcionados e sequenciais auxiliam no desenvolvimento da consciência corporal, do esquema corporal e na organização motora.
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Melhora da circulação e linfática: as manobras e a oleação facilitam a circulação local e o fluxo linfático, contribuindo para eliminação de resíduos e suporte ao crescimento.
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Vínculo e co-regulação: a prática oferece oportunidade regular de contato íntimo entre cuidador e bebê, promovendo apego seguro, sensibilidade parental e melhores interações socioemocionais.
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Efeitos psicossociais nos cuidadores: ao capacitar pais e cuidadores, a técnica também reduz estresse parental, aumenta confiança nos cuidados com a criança e estimula práticas parentais responsivas.
3. Benefícios observados e aplicações práticas
A Shantala tem mostrado potencial em diversas frentes:
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Regulação emocional e sono: redução de choro, melhora da qualidade do sono e maior facilidade no estabelecimento de rotinas.
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Promoção do ganho ponderal em prematuros: quando aplicada de forma adequada, associada a práticas de cuidado neonatal, houve evidências de ganho de peso e maior estabilidade fisiológica.
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Redução da percepção de dor e ansiedade: para procedimentos menores e durante o dia a dia, o toque pode reduzir sensações de desconforto.
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Fortalecimento do vínculo e da amamentação: praticada antes de sessões de amamentação, facilita a proximidade mãe-bebê e pode favorecer o estabelecimento e manutenção da amamentação.
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Saúde mental parental: diminuição de sintomas de estresse, ansiedade e melhora na percepção de competência dos cuidadores.
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Promoção da reabilitação neuromotora: como complemento terapêutico, pode ser um recurso para bebês com atraso motor leve quando integrado a programas de estimulação.
4. Indicações, faixa etária e contraindicações
Idade indicada: a técnica pode ser iniciada, em geral, a partir do primeiro mês de vida e é especialmente indicada até os dois anos, período de maior plasticidade sensorial e afetiva. Entretanto, adaptações podem ser feitas para recém-nascidos pré-termo com critérios clínicos e em ambiente adequado.
Contraindicações e cuidados imediatos:
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Lesões de pele ativas, queimaduras, feridas abertas ou infecções cutâneas.
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Febre alta ou doença aguda não estabilizada.
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Situações clínicas graves não estabilizadas (em neonatologia, avaliar junto à equipe).
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Reações alérgicas a óleos (realizar teste de contato prévio).
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Em caso de refluxo intenso, vômitos frequentes, dor abdominal persistente — avaliar antes de aplicar.
Sinais de alerta durante a massagem: choro inconsolável, palidez, respiração alterada, vômito, recusa intensa ao toque — interromper e avaliar.
5. Protocolos práticos: sequência, ambiente e óleos
Ambiente: local quente, silencioso, com iluminação suave; superfícies estáveis e limpas; temperatura corporal do cuidador aquecida; evitar correntes de ar.
Preparação do cuidador: mãos limpas, unhas curtas, sem anéis; atitude calma e presença; horários preferenciais: após banho morno (evitar logo após mamadas muito pesadas), momentos de maior relaxamento do bebê (pré-sono).
Óleos: usar óleos vegetais puros, de preferência hipoalergênicos (ex.: óleo de amêndoas doces, óleo de girassol refino suave). Evitar fragrâncias artificiais e óleos essenciais em lactentes sem orientação. Fazer teste de contato antes da primeira aplicação.
Sequência básica (exemplo prático):
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Aclimatação: segurar o bebê no colo, estabelecer contato olho-no-olho; respirar profundamente.
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Pernas: movimentos longos e suaves do quadril ao pé, fricções circulares nas coxas e leve flexão/extensão.
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Pés: estímulos bilaterais, deslizamentos nas plantas e dorsos.
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Abdome: movimentos circulares suaves no sentido horário (respeitando reações do bebê).
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Peito: deslizamentos leves do centro para os lados, sem compressão.
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Braços e mãos: alongamentos suaves, deslizamentos do ombro à mão, toque palmar.
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Costas: com bebê de bruços (se já for acostumado), deslizamentos do pescoço aos glúteos; se o bebê não tolerar, adaptar.
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Rosto e cabeça: toques leves nas bochechas, testa; evitar pressão direta no crânio.
Duração: 10–20 minutos, respeitando sempre sinais de cansaço ou apetite do bebê.
6. Formação de profissionais e capacitação de cuidadores
Níveis de formação sugeridos:
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Formação básica (comunitária): para agentes comunitários, técnicos e cuidadores — módulos teóricos-práticos de 8–16 horas, incluindo demonstração e supervisão.
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Formação avançada (profissionais de saúde): 24–40 horas com conteúdo sobre desenvolvimento infantil, sinais clínicos, adaptação para prematuros, pesquisa e avaliação de resultados.
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Supervisão contínua: encontros periódicos, supervisão clínica e grupos de estudo para manutenção de qualidade.
Conteúdo do curso (sugestão): história e fundamentos, fisiologia do toque, protocolos práticos, óleos e higiene, identificação de contraindicações, registro e avaliação, comunicação com famílias, ética e abordagens culturais.
7. Implementação em unidades de saúde: modelo operacional
1. Sensibilização institucional: promover entendimento entre gestores e equipes sobre benefícios e encaixe na PNPIC e nas rotinas da atenção básica.
2. Capacitação: formar pelo menos dois profissionais por unidade (para multiplicar o conhecimento).
3. Espaço e logística: reservar sala ou canto acolhedor para oficinas e sessões demonstrativas; materiais: lençóis limpos, almofadas, óleos.
4. Oferta programada: integrar Shantala em agendas como consultas puerperais, grupos de puericultura e atividades da Rede Cegonha.
5. Acesso: combinar estratégias — agendamento, busca ativa, rodas de pais, encaminhamento por equipes.
6. Monitoramento: registrar número de sessões, participantes, adesão e relatos qualitativos de impacto.
7. Avaliação: indicadores de processo (número de cuidadores capacitados; sessões realizadas) e de resultado (relato de melhora do sono, aumento do aleitamento, ganho de peso em prematuros, medidas de estresse parental).
8. Estratégias de adesão e sustentabilidade
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Educação contínua: oficinas periódicas, vídeos curtos demonstrativos, folhetos ilustrados.
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Integração com práticas locais: usar grupos de cuidado perinatal, consultas de aleitamento e visitas domiciliares para ensinar a técnica.
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Multiplicadores comunitários: formar mães líderes ou cuidadoras da comunidade para fortalecer adesão.
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Registro simples e avaliação participativa: usar fichas breves para que as famílias e profissionais possam observar e avaliar mudanças.
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Comunicação e sensibilidade cultural: adaptar linguagem, gestos e óleos às preferências locais, respeitando crenças e práticas tradicionais.
9. Pesquisa, lacunas de conhecimento e recomendações para estudos futuros
Embora existam estudos que apontam benefícios (ganho ponderal em prematuros, regulação do sono, redução do estresse parental), são necessárias pesquisas mais robustas em contextos diversos e com desenho controlado. Recomenda-se:
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Estudos randomizados que avaliem efeitos em curto, médio e longo prazo.
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Investigações sobre dose-resposta (frequência e duração ótimas).
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Avaliação de impactos em desfechos familiares amplos (vínculo, saúde mental parental).
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Pesquisas de implementação que testem modelos de integração em unidades básicas e custo-efetividade.
10. Indicadores para monitoramento de programas locais
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Proporção de unidades com profissionais capacitados.
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Número de cuidadores atendidos/formados por unidade e por período.
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Percentual de famílias que incorporaram a prática na rotina (auto-relato).
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Indicadores clínicos selecionados: frequência de sono, dias de intercorrência por infecções respiratórias (auto-relato), evolução de peso em prematuros acompanhados.
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Satisfação dos cuidadores e profissionais (pesquisa qualitativa/quantitativa).
11. Considerações éticas e culturais
É essencial garantir consentimento informado, respeitar limites do corpo do bebê e do cuidador, e adaptar a prática a normas culturais e preferências. A imposição de qualquer técnica sem acolhimento, explicação e respeito pode ser contraproducente — a Shantala deve sempre ser uma escolha informada dos cuidadores.
12. Conclusão e proposta de ação prática
A Shantala é uma prática de grande potencial para a promoção da saúde integral na primeira infância — acessível, de baixo custo e com benefícios múltiplos para bebê e família. Para sua implementação segura e contínua, recomenda-se um plano integrado que contemple formação adequada, espaços acolhedores, materiais informativos, inclusão em rotinas da atenção básica e monitoramento simples de resultados. Programas públicos e iniciativas comunitárias podem articular ações de capacitação, rodas de orientação e supervisão, de modo a consolidar a Shantala como ferramenta de cuidado humanizado, fortalecendo vínculos e contribuindo para um desenvolvimento infantil mais saudável.
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