A Violência Familiar e o Papel Psicoterapêutico da Atenção Domiciliar na Promoção de Saúde e Proteção Integral
A violência familiar, em suas múltiplas manifestações — física, psicológica, sexual, estrutural e negligência —, constitui um grave problema social e de saúde pública. As relações familiares, que deveriam ser fonte de cuidado e proteção, muitas vezes tornam-se espaço de conflito, abuso e sofrimento emocional. No Brasil, a vulnerabilidade de crianças, mulheres e idosos ainda reflete a desigualdade estrutural, a falta de políticas efetivas de prevenção e o déficit de acompanhamento psicossocial. Nesse contexto, a Atenção Domiciliar e a atuação das equipes multiprofissionais de saúde emergem como instrumentos fundamentais na detecção, acolhimento e intervenção psicoterapêutica em situações de violência.
A Psicologia, especialmente em sua vertente sistêmica e psicossocial, compreende a família como um sistema dinâmico, dotado de fronteiras, papéis e padrões de comunicação. Quando essas fronteiras se tornam difusas, rígidas ou permeáveis demais, o equilíbrio familiar é rompido e a violência pode emergir como sintoma de desorganização emocional e relacional. O olhar psicoterapêutico busca não apenas tratar o trauma, mas compreender os significados implícitos na dinâmica de poder e afeto entre os membros da família, fortalecendo vínculos saudáveis e restabelecendo o sentido de pertencimento e proteção.
Além disso, a atenção domiciliar amplia o olhar clínico para o território social, permitindo ao profissional conhecer a realidade concreta das famílias atendidas. A casa, enquanto espaço de cuidado e vulnerabilidade, torna-se um cenário terapêutico e diagnóstico ao mesmo tempo, exigindo do psicoterapeuta sensibilidade, ética, empatia e capacidade de articulação com a rede de proteção social.
A Fronteira Familiar e a Dinâmica dos Papéis no Contexto da Violência
No campo da Terapia Sistêmica Familiar, o conceito de fronteira é essencial para compreender a organização interna da família. Uma fronteira saudável é flexível, permitindo trocas afetivas e autonomia. Já as fronteiras rígidas impedem o diálogo e geram isolamento, enquanto as difusas produzem confusão de papéis e invasão de privacidade.
Exemplos de fronteiras desajustadas incluem situações em que filhos assumem papéis parentais, quando um cônjuge controla o outro, ou quando a família se isola de amigos e parentes. Essas distorções, com frequência, antecedem a eclosão de comportamentos violentos, pois indicam relações de poder desequilibradas e vínculos baseados no controle e na dependência emocional.
Sob o olhar psicoterapêutico, a violência raramente é um ato isolado: ela é a expressão de uma estrutura relacional disfuncional. A intervenção deve, portanto, considerar o sistema familiar como um todo, e não apenas o indivíduo agressor ou a vítima. Estratégias terapêuticas como redefinição de papéis, restauração das fronteiras e comunicação assertiva são essenciais para promover a reestruturação do sistema e prevenir reincidências.
Atenção Domiciliar e o Enfrentamento da Violência
A Atenção Domiciliar (AD), prevista nas políticas públicas de saúde, é uma modalidade que visa humanizar o cuidado e aproximar o profissional da realidade cotidiana das famílias. Ao adentrar o espaço doméstico, o psicólogo e a equipe multiprofissional têm a oportunidade de observar os comportamentos, as interações e o ambiente, identificando sinais sutis de negligência, abuso ou sofrimento emocional.
Essa atuação requer preparo técnico, emocional e ético, pois o domicílio é também o espaço privado e simbólico do indivíduo. A escuta ativa, a empatia e a não invasão são princípios fundamentais. O profissional deve atuar em articulação com a rede de apoio intersetorial — serviços sociais, educação, segurança pública e justiça —, garantindo o acompanhamento contínuo e o fortalecimento das famílias.
Além do atendimento clínico, a equipe de AD tem papel estratégico na prevenção primária da violência, promovendo educação em saúde, fortalecendo o vínculo familiar e desenvolvendo ações comunitárias que estimulem a convivência pacífica, o respeito mútuo e a solidariedade.
Violência contra Crianças, Mulheres e Idosos: Interfaces Clínicas e Psicossociais
A violência doméstica apresenta múltiplas faces e vítimas com vulnerabilidades específicas. Crianças e adolescentes sofrem quando expostos à negligência, ao abuso físico ou sexual, comprometendo seu desenvolvimento emocional e cognitivo. O idoso, por sua vez, frequentemente é vítima de abuso financeiro, negligência e abandono, sobretudo em contextos de dependência funcional. Já a violência contra a mulher está fortemente ligada a padrões patriarcais e à dependência econômica, o que exige intervenções que considerem gênero, poder e autonomia.
Na prática psicoterapêutica, cada grupo demanda abordagens específicas:
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Com crianças, utiliza-se o lúdico terapêutico, favorecendo a expressão simbólica do trauma e a reconstrução da confiança.
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Com idosos, trabalha-se o fortalecimento da autoestima, da autonomia e da rede de apoio social.
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Com mulheres, as intervenções buscam a ressignificação da identidade, a autonomia emocional e financeira e a reconstrução do autoconceito após o ciclo de violência.
A abordagem sistêmica propõe, além do trabalho individual, o envolvimento da família extensa, vizinhança e comunidade, reconhecendo que o enfrentamento da violência é um processo coletivo e social, e não apenas clínico.
O Papel Psicoterapêutico da Equipe Multiprofissional
A equipe de atenção domiciliar é composta por profissionais de diferentes áreas — médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais —, cuja integração é essencial para um cuidado integral. No campo psicoterapêutico, essa atuação interprofissional amplia as possibilidades de acolhimento e favorece o olhar humanizado sobre o sofrimento.
O psicólogo, nesse contexto, atua como mediador do diálogo, facilitador de vínculos e promotor de autoconhecimento. Seu papel é identificar padrões disfuncionais de comunicação, dinâmicas de poder, emoções reprimidas e mecanismos de defesa utilizados pela família. Através de intervenções breves, psicoeducação e terapia de apoio, o profissional contribui para a construção de um ambiente mais seguro e saudável.
Em casos de violência, a conduta ética exige acolhimento imediato, proteção da vítima, encaminhamento seguro e notificação compulsória aos órgãos competentes. No entanto, o foco psicoterapêutico permanece em ajudar as pessoas a compreenderem suas emoções, estabelecerem limites e reconstruírem suas histórias sem repetição do trauma.
A Psicoterapia como Ferramenta de Reconstrução e Autonomia
A psicoterapia, seja individual, familiar ou de grupo, é uma das estratégias mais potentes para romper o ciclo da violência. Por meio da escuta empática e da reconstrução simbólica, o sujeito é encorajado a reconhecer sua dor, ressignificar experiências passadas e desenvolver resiliência emocional.
No caso das famílias em atenção domiciliar, a psicoterapia pode ser adaptada ao ambiente familiar, utilizando intervenções breves, conversas orientadas e exercícios de comunicação não violenta. O objetivo é restaurar o diálogo, promover o respeito mútuo e criar uma nova narrativa de convivência baseada em empatia e cuidado.
O foco terapêutico deve sempre incluir a fortalecimento da rede de apoio (vizinhos, grupos comunitários, instituições), pois o isolamento é um dos principais fatores de risco para a manutenção da violência.
Conclusão
A violência familiar é um fenômeno complexo que exige uma abordagem psicoterapêutica ampla e integrada. A atenção domiciliar se destaca como um importante instrumento de cuidado humanizado, permitindo que os profissionais compreendam a realidade emocional e social das famílias em sua própria vivência cotidiana.
O olhar da Psicologia Clínica e Sistêmica sobre as fronteiras familiares, os papéis, os vínculos e os padrões comunicacionais oferece subsídios para intervenções mais eficazes e sensíveis. A promoção da saúde mental, o fortalecimento das relações familiares e a construção de redes de apoio comunitário são caminhos fundamentais para romper o ciclo da violência e restabelecer a dignidade humana.
Em síntese, o papel psicoterapêutico no enfrentamento da violência vai além da escuta: ele é um ato de reconstrução, empoderamento e transformação social, onde cada família atendida representa a possibilidade de um novo começo — mais saudável, consciente e livre de opressões.
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