Estratégias de Enfrentamento Maladaptativas e o Desenvolvimento da Resiliência: Um Olhar Psicoterapêutico e Humanizado
A vida humana é permeada por desafios, perdas, mudanças e situações de adversidade que exigem das pessoas um constante processo de adaptação. Diante dessas experiências, surge a necessidade de desenvolver mecanismos internos e externos capazes de restabelecer o equilíbrio emocional e psicológico. É nesse contexto que se insere o conceito de resiliência, amplamente discutido nas ciências psicológicas como a capacidade de se recuperar de situações estressoras e seguir adiante com aprendizado e crescimento. Contudo, a forma como o indivíduo lida com esses eventos — por meio das chamadas estratégias de enfrentamento — é determinante para o desfecho desse processo.
De acordo com Guerra et al. (2021), a resiliência não se trata de uma qualidade estável ou de um traço de personalidade fixo, mas sim de um processo dinâmico, que envolve fatores individuais, familiares, sociais e comunitários. Dentro desse processo, as estratégias de enfrentamento (coping) assumem papel central, pois representam as formas cognitivas e comportamentais que as pessoas utilizam para lidar com o estresse, minimizar o sofrimento e buscar soluções adaptativas para as dificuldades. No entanto, nem todas as estratégias são igualmente eficazes. Algumas são consideradas maladaptativas, ou seja, inadequadas e potencialmente prejudiciais à saúde mental.
O presente artigo propõe uma reflexão aprofundada sobre as estratégias de enfrentamento maladaptativas, suas consequências psicológicas e o modo como a psicologia positiva e as abordagens terapêuticas contemporâneas podem contribuir para a transformação desses padrões, promovendo a resiliência e o bem-estar emocional.
As Estratégias de Enfrentamento e o Processo de Resiliência
Segundo Assis, Pesce e Avanci (2006), as estratégias de enfrentamento consistem em “esforços cognitivos e comportamentais que as pessoas lançam mão para lidar com as adversidades da vida, de modo a superá-las, minimizá-las ou suportá-las”. A literatura distingue dois grandes grupos de estratégias: adaptativas e maladaptativas.
As estratégias adaptativas estão relacionadas ao enfrentamento direto das situações estressoras, à busca de apoio emocional, à aceitação das circunstâncias e ao desenvolvimento da autoconfiança. Elas favorecem o crescimento pessoal, o equilíbrio emocional e a ampliação da rede de apoio. Por outro lado, as maladaptativas tendem a afastar o indivíduo da realidade, reforçando padrões de evitação, negação e autoisolamento. Esses comportamentos não solucionam o problema e, frequentemente, intensificam o sofrimento.
Na Cartilha 14 – Resiliência (Guerra et al., 2021), são descritas algumas estratégias maladaptativas comuns, como reclamar com frequência sem agir, negar o problema, usar substâncias como forma de fuga, culpar-se pela situação, delegar responsabilidades a outros, isolar-se e evitar pensar sobre o problema. Tais atitudes, ainda que possam oferecer alívio momentâneo, acabam por aumentar o nível de estresse e dificultar a construção de soluções reais.
Esse tipo de enfrentamento se distancia do princípio central da resiliência, que envolve reconhecer o sofrimento, aceitar a vulnerabilidade e, a partir dela, reconstruir-se. Como destaca Marcella Bastos (2021) em A beleza da sobrevivência: o dia seguinte, a resiliência não significa ser inquebrável, mas aprender a se recompor e encontrar sentido após a dor. O processo resiliente é, portanto, inseparável da aceitação da própria humanidade.
A Psicodinâmica das Estratégias Maladaptativas
Sob a ótica psicoterapêutica, o uso de estratégias maladaptativas pode ser compreendido como um mecanismo de defesa frente ao sofrimento psíquico. Elas surgem, muitas vezes, como tentativas inconscientes de evitar o contato com emoções dolorosas, tais como medo, culpa, vergonha e impotência. Entretanto, essa evitação tem um custo: quanto mais se evita o enfrentamento da dor, mais se reforça o ciclo de sofrimento.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) destaca que as estratégias maladaptativas são mantidas por pensamentos automáticos disfuncionais — ideias distorcidas sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o futuro — que geram comportamentos de evitação e autossabotagem. Por exemplo, o pensamento “não adianta tentar, nada vai mudar” pode levar ao isolamento social e à desistência de buscar soluções, perpetuando o estado de desesperança.
Já a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) propõe um caminho diferente: desenvolver a flexibilidade psicológica, que é a capacidade de aceitar experiências internas (emoções, pensamentos, sensações) sem lutar contra elas, enquanto se age de forma coerente com os próprios valores. Assim, em vez de negar o problema, o indivíduo é convidado a acolher o desconforto e agir de modo significativo, o que contribui para o fortalecimento da resiliência.
Consequências das Estratégias Maladaptativas
As estratégias de enfrentamento inadequadas estão diretamente associadas a diversos desfechos negativos na saúde mental. Entre eles, destacam-se o aumento dos níveis de ansiedade, depressão, isolamento social, uso abusivo de substâncias e transtornos psicossomáticos. Além disso, essas estratégias prejudicam os relacionamentos interpessoais, pois dificultam o diálogo e a empatia.
Guerra et al. (2021) enfatizam que, ao ignorar as condições sociais e estruturais que influenciam as adversidades, a visão individualista da resiliência pode reforçar sentimentos de culpa e insuficiência. Assim, o sujeito que não consegue “dar conta” da situação passa a se sentir incapaz ou fraco, quando, na verdade, está operando dentro de um sistema de desigualdades e falta de suporte.
Portanto, compreender as estratégias maladaptativas exige uma leitura ampliada, que envolva não apenas o indivíduo, mas também o contexto familiar, social e comunitário. A ausência de uma rede de apoio, a exclusão social e a falta de políticas públicas eficazes são fatores que alimentam o ciclo de sofrimento e impedem o florescimento da resiliência.
Transformando Estratégias Maladaptativas em Práticas Saudáveis
A psicologia positiva oferece importantes ferramentas para reverter o uso crônico de estratégias disfuncionais. Por meio do cultivo de emoções positivas, como gratidão, esperança, otimismo e humor, é possível reduzir os efeitos fisiológicos do estresse e promover o bem-estar subjetivo.
O exercício das três bênçãos — ou sua variação, o exercício das três coisas engraçadas — proposto pela Cartilha 14, estimula o reconhecimento de aspectos positivos no cotidiano, fortalecendo a percepção de que, mesmo em meio a dificuldades, existem motivos para agradecer e sorrir. O humor, quando utilizado de forma saudável, atua como uma poderosa ferramenta de resiliência, pois alivia tensões, reforça vínculos e amplia a visão de mundo.
Além disso, práticas de mindfulness (atenção plena) e autocompaixão ajudam o indivíduo a reconhecer seus limites sem julgamento, promovendo uma relação mais gentil consigo mesmo. A autocompaixão, conforme discutida por Gilbert (2019), é essencial para substituir a autocrítica punitiva — comum em estratégias maladaptativas — por um olhar acolhedor e cuidadoso diante da própria dor.
No contexto clínico, a intervenção terapêutica deve buscar a ampliação do repertório de enfrentamento adaptativo, incentivando a aceitação, a reestruturação cognitiva e o fortalecimento das redes de apoio. A escuta empática e a validação emocional são fundamentais para que o paciente possa, gradualmente, desenvolver autonomia e confiança para enfrentar as adversidades com equilíbrio.
Conclusão
A compreensão das estratégias de enfrentamento maladaptativas é fundamental para a prática psicoterapêutica e para a promoção da saúde mental. Essas estratégias, ainda que surjam como tentativas legítimas de autoproteção, acabam perpetuando o sofrimento e impedindo o crescimento psicológico. O desafio, portanto, está em transformar esses padrões de evitação em estratégias adaptativas, baseadas na aceitação, no autoconhecimento e na conexão com os outros.
A resiliência, conforme demonstram Guerra et al. (2021) e Yunes (2003), não é sinônimo de invulnerabilidade, mas de reconstrução. Ser resiliente é permitir-se sentir dor, aprender com ela e seguir em frente com esperança. Trata-se de um processo coletivo e humano, sustentado por vínculos afetivos, autocompaixão e fé na possibilidade de um novo começo. Assim, desenvolver a resiliência é, em última instância, um ato de coragem e amor pela vida — um convite para encontrar, mesmo nas dificuldades, a beleza da sobrevivência e do renascimento.
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