Depressão Infantil e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Um Olhar Clínico e Humanizado sobre o Sofrimento Psicológico na Infância

 


A infância é uma fase marcada por descobertas, aprendizados e desenvolvimento emocional. No entanto, para muitas crianças, esse período pode ser permeado por sentimentos profundos de tristeza, desesperança e desmotivação — sinais de uma condição que vai além das “mudanças normais de humor” e pode indicar depressão infantil.

Trata-se de um transtorno emocional sério, muitas vezes silencioso, que afeta não apenas o humor da criança, mas também sua capacidade de brincar, aprender, se relacionar e experimentar alegria. A depressão na infância desafia pais, educadores e profissionais de saúde mental, exigindo uma compreensão sensível e uma abordagem terapêutica adaptada às características cognitivas e emocionais dessa faixa etária.

Entre as abordagens psicoterapêuticas disponíveis, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem se destacado como uma das mais eficazes. Estruturada, empática e baseada em evidências, ela ajuda as crianças a compreenderem seus pensamentos, emoções e comportamentos, promovendo o autoconhecimento e o desenvolvimento de habilidades emocionais saudáveis.


Compreendendo a Depressão Infantil

A depressão infantil é um transtorno de humor caracterizado por um padrão persistente de tristeza, desânimo, irritabilidade e perda de prazer em atividades que antes eram prazerosas. Diferente dos adultos, que costumam expressar tristeza de forma verbal e introspectiva, as crianças frequentemente demonstram o sofrimento por meio de mudanças comportamentais, como birras, isolamento, dificuldades escolares ou queixas somáticas (dores de cabeça e de estômago sem causa médica identificável).

Os sintomas podem variar em intensidade, mas, segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), devem persistir por pelo menos duas semanas e comprometer significativamente o funcionamento da criança em casa, na escola e nas relações sociais.

Principais sintomas da depressão infantil:

  • Tristeza, apatia ou irritabilidade persistente;

  • Perda de interesse em atividades antes prazerosas;

  • Alterações no sono (insônia ou sono excessivo) e no apetite;

  • Dificuldade de concentração e queda no rendimento escolar;

  • Sentimentos de culpa, rejeição ou inutilidade;

  • Queixas físicas recorrentes (dores abdominais, cefaleia, fadiga);

  • Em casos graves, pensamentos de morte ou ideação suicida.

É importante destacar que, muitas vezes, as crianças não conseguem nomear o que sentem. Por isso, a observação atenta dos cuidadores e professores é essencial para identificar precocemente sinais de sofrimento emocional.


Causas e Fatores de Risco

A depressão infantil resulta da interação entre fatores biológicos, psicológicos e ambientais.

  • Fatores biológicos: desequilíbrios neuroquímicos (como serotonina e dopamina), histórico familiar de depressão e predisposição genética aumentam a vulnerabilidade.

  • Fatores psicológicos: baixa autoestima, pensamentos autodepreciativos, perfeccionismo e dificuldade em lidar com frustrações.

  • Fatores ambientais: situações de negligência, violência doméstica, bullying, luto, separação dos pais ou problemas escolares.

O ambiente familiar exerce um papel central. Um lar com comunicação deficiente, altos níveis de conflito ou pouca demonstração de afeto pode reforçar crenças negativas na criança, como “eu não sou boa o suficiente” ou “ninguém gosta de mim”, que se tornam bases cognitivas para o desenvolvimento da depressão.


Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Depressão Infantil

A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma abordagem breve e estruturada que visa modificar padrões de pensamento e comportamento desadaptativos. Em crianças, o foco é traduzido em uma linguagem lúdica e acessível, respeitando seu nível de desenvolvimento cognitivo e emocional.

A TCC parte do princípio de que os pensamentos influenciam as emoções e os comportamentos. Assim, ao ajudar a criança a identificar e questionar pensamentos negativos, o terapeuta promove mudanças emocionais e comportamentais significativas.

1. Psicoeducação

A primeira etapa da TCC envolve educar a criança e seus pais sobre a depressão: o que é, por que ocorre e como pode ser tratada. O terapeuta explica que o humor triste não é “culpa” da criança, mas sim um sinal de que algo não vai bem e precisa de cuidado.
Com recursos visuais, metáforas e jogos, a psicoeducação ajuda a criança a compreender seus sentimentos e a reconhecê-los como legítimos.

2. Identificação de Pensamentos Negativos

O terapeuta auxilia a criança a reconhecer pensamentos automáticos negativos, que surgem de forma rápida e inconsciente, como:

“Eu nunca faço nada certo.”
“Meus amigos não gostam de mim.”
“Ninguém liga pra mim.”

Esses pensamentos são frequentemente baseados em crenças nucleares de inadequação ou desvalor, formadas ao longo das experiências infantis. Com o tempo, a criança aprende a identificá-los e questioná-los, construindo interpretações mais realistas e positivas.

3. Reestruturação Cognitiva

Nesta fase, o terapeuta ensina a criança a substituir pensamentos distorcidos por outros mais saudáveis. Por exemplo:

  • De “Eu sou burra” para “Eu posso aprender se eu me esforçar.”

  • De “Ninguém gosta de mim” para “Algumas pessoas gostam de mim, e eu posso fazer novos amigos.”

Essa reestruturação fortalece a autoestima e ajuda a quebrar o ciclo da autodepreciação que sustenta a depressão.

4. Ativação Comportamental

A depressão leva à apatia e à retração social, o que reforça o desânimo. A ativação comportamental visa reintroduzir atividades prazerosas e significativas na rotina da criança, promovendo sensações de prazer e competência.
O terapeuta e a criança criam juntos uma lista de pequenas metas, como brincar ao ar livre, desenhar, praticar esportes ou realizar uma tarefa escolar. Cada conquista é celebrada, fortalecendo o senso de capacidade.

5. Treinamento de Habilidades Sociais e de Enfrentamento

Muitas crianças deprimidas têm dificuldade em expressar emoções e lidar com conflitos. O treino de habilidades sociais ensina estratégias como pedir ajuda, dizer “não”, resolver problemas e comunicar sentimentos de forma assertiva.
Além disso, o terapeuta ensina técnicas de relaxamento, respiração e mindfulness, para ajudar a lidar com o estresse e regular as emoções.

6. Envolvimento dos Pais

O sucesso da TCC na depressão infantil depende fortemente da participação dos pais. Eles aprendem a identificar sinais de recaída, reforçar comportamentos positivos e criar um ambiente familiar acolhedor.
A terapia frequentemente inclui sessões familiares, nas quais se trabalha a comunicação, os limites e o apoio emocional.


O Papel do Psicólogo Clínico

O psicólogo clínico deve ter sensibilidade para reconhecer que, em crianças, a depressão muitas vezes se manifesta por meio de brincadeiras tristes, regressão comportamental ou resistência à escola. A escuta deve ser empática, paciente e adaptada à linguagem infantil — utilizando recursos como desenhos, jogos e histórias para acessar o mundo interno da criança.

Além disso, o profissional deve estar atento às dinâmicas familiares e escolares, pois o tratamento da depressão infantil requer uma abordagem sistêmica e colaborativa, envolvendo pais, professores e, quando necessário, outros profissionais da saúde.


Conclusão

A depressão infantil é um fenômeno real e preocupante que exige atenção e intervenção precoce. O sofrimento emocional das crianças não deve ser subestimado — elas sentem profundamente, mesmo quando não conseguem expressar o que vivem em palavras.

A Terapia Cognitivo-Comportamental oferece um caminho de esperança ao proporcionar instrumentos para que a criança compreenda seus pensamentos, modifique suas crenças negativas e desenvolva habilidades emocionais e sociais. Quando aliada ao apoio familiar e escolar, torna-se uma poderosa ferramenta de transformação e recuperação.

Mais do que tratar sintomas, o objetivo da psicoterapia é restaurar a alegria, o senso de valor e a confiança — permitindo que a criança volte a experimentar o mundo com curiosidade, segurança e leveza.


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