A Fitoterapia no SUS: Caminhos para a Integração de Saberes e Cuidados na Atenção Primária

 


A relação entre as plantas medicinais e os cuidados com a saúde sempre existiu. Antes mesmo do advento da medicina moderna, as ervas eram o principal recurso terapêutico das populações, guiadas pelo conhecimento empírico, pelas tradições familiares e pela sabedoria popular. Com o passar do tempo, essa prática foi sendo colocada em segundo plano, muitas vezes marginalizada, especialmente com o avanço da indústria farmacêutica. No entanto, um movimento de valorização da diversidade terapêutica tem resgatado a fitoterapia como uma ferramenta legítima e complementar dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). A pergunta que se impõe, portanto, é: como transformar esse conhecimento em uma política pública eficaz, segura e acessível?

A fitoterapia como política pública

A incorporação das plantas medicinais e dos fitoterápicos na atenção básica representa mais do que uma inovação terapêutica; é um gesto de reconhecimento das múltiplas formas de cuidar. Ao integrar a fitoterapia ao SUS, o Estado amplia o escopo de atuação da saúde pública, permitindo que os usuários tenham acesso a alternativas naturais, muitas vezes mais próximas de suas realidades culturais, geográficas e econômicas.

Não se trata apenas de distribuir chás e pomadas à base de plantas, mas de construir um modelo integrado, baseado em evidências, que respeite os saberes tradicionais e, ao mesmo tempo, garanta qualidade, eficácia e segurança nos tratamentos ofertados. A implantação de projetos nessa área exige um conjunto de esforços coordenados: desde o cultivo adequado das espécies medicinais até a formação de profissionais capacitados, passando pelo diálogo com as comunidades e pelo fortalecimento das estruturas regulatórias e sanitárias.

Potencial e viabilidade da implantação

Para que um município consiga desenvolver e implementar um serviço de fitoterapia dentro da rede pública, é fundamental considerar três eixos principais: estrutura física, recursos humanos e gestão.

Em termos de estrutura, é necessário dispor de um espaço para o cultivo das plantas medicinais — seja em hortos comunitários, hortos escolares ou em terrenos públicos adaptados para esse fim. Esse cultivo deve seguir princípios agroecológicos e critérios técnicos que garantam a pureza e a conservação das propriedades terapêuticas das espécies. Dependendo do modelo escolhido, também pode ser necessária a instalação de laboratórios para o processamento e a manipulação dos fitoterápicos, respeitando todas as exigências sanitárias.

O segundo pilar é a formação da equipe. A implantação de um programa desse tipo não pode prescindir de profissionais capacitados em diversas áreas. É preciso contar com agrônomos, técnicos agrícolas, farmacêuticos, médicos, enfermeiros, nutricionistas, entre outros. Cada um desses atores contribui de maneira específica para a consolidação do projeto, desde a escolha das espécies mais adequadas até o acompanhamento dos pacientes que utilizarão os produtos.

O terceiro elemento, e talvez o mais decisivo, é a gestão. A criação de um programa de fitoterapia exige planejamento estratégico, articulação política e engajamento comunitário. É imprescindível que haja vontade política por parte dos gestores municipais, assim como um diálogo contínuo com os conselhos de saúde e as lideranças locais. A participação social é o elo que garante a legitimidade, a continuidade e o enraizamento das ações.

Desafios e soluções possíveis

Não se pode negar que a implantação de programas com plantas medicinais no SUS enfrenta obstáculos significativos. A escassez de recursos financeiros, a burocracia para aquisição de insumos certificados, a dificuldade de formação continuada dos profissionais e a ausência de uma cultura institucional voltada às práticas integrativas são entraves recorrentes. Contudo, esses desafios não são insuperáveis.

Uma das chaves para o sucesso está na construção de parcerias estratégicas. Universidades, institutos de pesquisa, ONGs e até mesmo movimentos populares podem atuar como aliados no desenvolvimento técnico, científico e social do projeto. Além disso, o incentivo à pesquisa local e à valorização do conhecimento tradicional fortalece o vínculo com a comunidade e amplia a aceitação da proposta.

Outro ponto essencial é a criação de indicadores e mecanismos de avaliação. Monitorar os resultados, registrar os avanços e corrigir os rumos ao longo do caminho são atitudes que diferenciam um projeto pontual de uma política pública sustentável.

Considerações finais

A fitoterapia não é uma alternativa à medicina convencional, mas sim uma possibilidade complementar que dialoga com os princípios da integralidade e da equidade do SUS. Incorporar as plantas medicinais à atenção básica é reconhecer que o cuidado em saúde pode (e deve) ser plural, humanizado e territorializado.

Mais do que um resgate cultural, trata-se de uma aposta no futuro: um modelo de saúde mais preventivo, mais sustentável e mais conectado com as necessidades reais da população. Para os municípios que buscam inovação com responsabilidade, a fitoterapia é um caminho possível, viável e promissor.

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