Ayurveda no SUS: Saberes Milenares a Serviço da Saúde Integrativa no Brasil
Em um mundo cada vez mais acelerado, com altos índices de doenças crônicas, estresse, insônia e distúrbios emocionais, a busca por alternativas complementares à medicina convencional tem crescido significativamente. Nesse contexto, o Ayurveda, sistema médico tradicional originado na Índia há mais de cinco mil anos, emerge como uma poderosa aliada à saúde integral e humanizada. Mas como essa medicina milenar se encaixa nas necessidades do povo brasileiro? É possível integrá-la ao Sistema Único de Saúde (SUS)? Quais seriam os desafios e as potencialidades dessa integração? Este artigo explora essas questões de forma aprofundada e reflexiva.
Ayurveda: Muito Além da Medicina Alternativa
O Ayurveda, cujo nome significa literalmente “ciência da vida”, não é apenas um conjunto de práticas terapêuticas, mas um sistema completo de cuidados com o corpo, a mente e o espírito. Seus fundamentos estão ancorados em conceitos como os doshas (Vata, Pitta e Kapha), que representam perfis psicofisiológicos únicos de cada indivíduo. O desequilíbrio desses doshas é visto como a raiz de diversas enfermidades, e a terapêutica ayurvédica busca restaurar esse equilíbrio por meio de alimentação adequada, rotinas diárias, práticas corporais, uso de ervas medicinais e procedimentos como massagens, oleações e desintoxicações.
Entre os tratamentos mais utilizados, destacam-se procedimentos como:
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Abhyanga: massagem corporal com óleos medicados que visa equilibrar os doshas, promover o relaxamento e eliminar toxinas.
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Udwartana: massagem com pós de ervas que auxilia na redução de tecido adiposo e na ativação da circulação.
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Swedana: terapia de indução ao suor com o objetivo de desobstruir canais e eliminar toxinas pela pele.
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Shiropichu: aplicação de óleo morno na cabeça, indicado para distúrbios como insônia, ansiedade e agitação mental.
Esses procedimentos não só promovem o bem-estar, mas também fortalecem o sistema imunológico, reduzem o estresse e estimulam a autoconsciência, gerando benefícios concretos para a saúde coletiva.
Ayurveda e o SUS: Caminhos de Integração
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o Ayurveda como uma medicina tradicional legítima, e em seus relatórios recentes, destaca o crescimento global do uso dessa prática em diversos sistemas públicos de saúde. No Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPICS), instituída em 2006, abriu espaço para a inclusão de terapias como homeopatia, acupuntura, fitoterapia e, mais recentemente, o Ayurveda.
O Ayurveda se mostra compatível com todos os níveis de atenção à saúde — primário, secundário e terciário —, oferecendo recursos que vão desde a promoção da saúde até o tratamento de doenças crônicas. Sua abordagem preventiva e educativa está profundamente alinhada com a Política de Humanização do SUS, uma vez que incentiva o acolhimento, a escuta qualificada e o protagonismo do paciente no processo de cura.
Além disso, a prática ayurvédica está alinhada com diretrizes de cuidado integrativo que valorizam os saberes populares, a alimentação natural, o cultivo de hortas medicinais e o fortalecimento do vínculo entre profissionais e usuários. Ao adotar hábitos saudáveis e respeitar os ciclos naturais do corpo e da natureza, o indivíduo se torna corresponsável pela sua saúde — conceito fundamental para a promoção da saúde no século XXI.
CERPIS, ObservaPICS e o Fortalecimento das PICS no Brasil
O fortalecimento das práticas integrativas no SUS também se dá por meio de importantes iniciativas como os CERPIS (Centros de Referência em Práticas Integrativas em Saúde), espaços que atuam na formação, na assistência e na disseminação de saberes e experiências das PICS nos territórios.
Outro ator fundamental é o ObservaPICS, o Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde, que promove debates e pesquisas com ênfase nas experiências vivenciadas dentro do próprio SUS. Além disso, o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIn) funciona como uma rede de pesquisadores que impulsiona o desenvolvimento científico das PICS, contribuindo para sua legitimação e expansão.
O registro adequado dos atendimentos e ações em Ayurveda e outras PICS no sistema e-SUS é essencial. Ele possibilita o planejamento de políticas públicas, a mensuração de resultados e a ampliação de investimentos, garantindo maior visibilidade e sustentabilidade para essas práticas.
Desafios e Potencialidades para a Inserção do Ayurveda nos Serviços de Saúde
Apesar dos avanços, ainda existem desafios a serem superados. A falta de profissionais qualificados, o preconceito de parte da comunidade científica, a escassez de políticas de financiamento específicas e a baixa inserção nos currículos da área da saúde são barreiras que exigem esforço conjunto de gestores, pesquisadores e sociedade civil.
Por outro lado, as potencialidades são inúmeras:
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Promoção da saúde e prevenção de doenças com baixo custo.
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Redução da medicalização excessiva e uso racional de fármacos.
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Fortalecimento de vínculos comunitários através da valorização de saberes ancestrais e tradicionais.
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Estimulação da autonomia dos indivíduos sobre seus corpos e processos de cura.
O Ayurveda traz consigo uma filosofia de cuidado que contempla a totalidade do ser humano — corpo, mente, emoções e espírito — e dialoga perfeitamente com os princípios do SUS de universalidade, integralidade e equidade.
Conclusão: Por uma Saúde Mais Humana, Integral e Consciente
Integrar o Ayurveda ao SUS é mais do que uma questão de escolha terapêutica: é um movimento de valorização da diversidade, do saber ancestral e da autonomia dos sujeitos. Ao abrir espaço para a sabedoria milenar do Ayurveda, o sistema público de saúde brasileiro não apenas amplia suas ferramentas de cuidado, como também promove uma mudança de paradigma: da saúde como ausência de doença, para a saúde como um estado dinâmico de equilíbrio físico, mental, emocional e espiritual.
Que esse caminho seja trilhado com ética, ciência, acolhimento e coragem. Porque cuidar do outro com amor, respeito e sabedoria é, acima de tudo, um ato revolucionário.
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