Como Lidar com um Familiar em Surto Violento e Agressivo que Convive na Mesma Casa: Um Guia Terapêutico
Viver com um familiar que apresenta surtos agressivos ou episódios de violência emocional, verbal ou física pode ser profundamente angustiante, desestruturante e perigoso. Esses momentos afetam não apenas a pessoa em sofrimento, mas também todo o sistema familiar, que passa a operar em alerta constante, muitas vezes entre o medo, o desgaste e a culpa.
Se você está nessa situação, este artigo é para você. O objetivo aqui é oferecer um olhar terapêutico, acolhedor e prático, que oriente a família sobre como lidar com surtos agressivos de um ente querido que mora na mesma casa, preservando a segurança de todos e respeitando o sofrimento psíquico da pessoa envolvida.
O Que É Um Surto?
Um surto é um episódio de perda temporária do contato com a realidade, geralmente caracterizado por comportamento desorganizado, alterações intensas de humor, fala desconexa, delírios, alucinações e, em alguns casos, agressividade verbal ou física.
Os surtos podem ocorrer em diversos transtornos mentais, como:
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Transtorno psicótico (incluindo esquizofrenia);
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Transtorno bipolar em fase maníaca ou mista;
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Transtornos de personalidade com instabilidade emocional severa;
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Uso de substâncias psicoativas (álcool, crack, cocaína, etc.);
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Condições neurológicas ou estados de confusão mental.
Nem todo surto envolve agressividade, mas quando ela está presente, a situação exige cuidados específicos e, muitas vezes, intervenção profissional imediata.
Por Que a Pessoa Age com Agressividade?
A agressividade durante um surto não é uma escolha consciente. Trata-se de uma reação desorganizada diante de uma realidade interna distorcida, marcada por medo extremo, desconfiança, sensação de ameaça, alucinações ou delírios persecutórios.
É comum que o familiar em surto:
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Acredite que está sendo perseguido;
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Interprete gestos ou palavras neutras como ameaçadores;
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Reaja a vozes que ordenam ações violentas;
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Esteja desorientado, confuso e com intensa descarga emocional.
Compreender isso é o primeiro passo para agir com mais empatia e eficácia.
Cuidados Terapêuticos em Situações de Surto Agressivo
1. Preserve a sua segurança em primeiro lugar
Você não pode ajudar se estiver em risco. A prioridade absoluta é a integridade física de todos os membros da casa.
Faça imediatamente:
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Afaste-se da pessoa se houver ameaça real.
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Leve crianças, idosos ou animais para um cômodo seguro.
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Nunca tente imobilizar sozinho alguém em surto – isso pode provocar reações mais intensas.
Evite:
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Discutir ou tentar "convencer" a pessoa de que ela está errada.
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Tocar nela sem consentimento.
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Olhar fixamente nos olhos (pode ser interpretado como ameaça).
2. Mantenha a calma externa, mesmo que internamente você esteja com medo
Mesmo que seja extremamente difícil, fale de forma baixa, pausada e sem agressividade. Frases simples como:
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“Eu estou aqui para te ajudar.”
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“Vamos tentar respirar juntos.”
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“Você quer sentar e conversar um pouco?”
Podem ajudar a reduzir o nível de tensão. O tom de voz é mais importante do que o conteúdo.
3. Reduza estímulos externos
Durante o surto, o cérebro da pessoa está em sobrecarga. Quanto menos estímulos, melhor.
Faça:
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Apague luzes fortes.
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Desligue aparelhos eletrônicos barulhentos (TV, rádio).
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Evite falar ao mesmo tempo com outras pessoas.
4. Não o enfrente sozinho: peça ajuda profissional
Se houver risco de agressão física ou descontrole grave, ligue para o SAMU (192), Corpo de Bombeiros (193), ou a Polícia Militar (190), explicando que se trata de uma crise psiquiátrica.
Importante: Peça atendimento com enfoque em saúde mental, evitando abordagens policiais que possam agravar a situação.
5. Depois da crise, promova o acolhimento, não a punição
Quando o surto termina, a pessoa pode se sentir confusa, envergonhada, ou não se lembrar do que aconteceu. Evite acusações diretas ou agressividade verbal.
Olhar terapêutico:
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"Você estava muito agitado, mas agora está melhor. Podemos conversar com calma sobre isso depois."
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"Vamos juntos procurar ajuda, pra você se sentir mais seguro da próxima vez."
Cuidados Preventivos: Evitando Novos Surtos
1. Acompanhamento psiquiátrico contínuo
A aderência ao tratamento médico é a forma mais eficaz de prevenir episódios de surto e agressividade. Mas muitos pacientes resistem por medo, estigma ou efeitos colaterais.
Dicas:
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Converse com o médico sobre alternativas menos invasivas.
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Sugira consultas domiciliares, se houver recusa em ir ao consultório.
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Estabeleça uma rotina com horários para a medicação.
2. Psicoterapia para o familiar e para a família
A psicoterapia ajuda o familiar a:
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Reconhecer sinais precoces de crise;
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Desenvolver habilidades emocionais para lidar com o estresse;
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Trabalhar sua própria culpa, raiva ou cansaço.
A Terapia Familiar Sistêmica é extremamente útil para melhorar a comunicação, fortalecer vínculos e reorganizar papéis familiares.
3. Crie um plano de ação familiar
Elabore, com todos os membros da casa, um plano de ação para momentos de crise. Inclua:
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Quem liga para ajuda externa;
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Quem sai do ambiente com as crianças;
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Quais sinais são interpretados como início de surto;
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Lista de contatos médicos e de emergência.
Esse plano ajuda a reduzir a sensação de caos e desamparo.
4. Observe sinais de recaída
Muitos surtos são precedidos por sinais de alerta, como:
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Irritabilidade crescente;
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Insônia;
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Comportamento paranoico;
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Abandono de medicação;
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Fala desconexa ou acelerada.
Ao notar esses sinais, busque ajuda profissional o quanto antes.
Cuide de Quem Cuida
A vivência constante com episódios de agressividade, tensão e medo pode causar estresse pós-traumático secundário, ansiedade, depressão e desgaste físico. Por isso:
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Busque psicoterapia para você.
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Participe de grupos de apoio.
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Estabeleça períodos de descanso e autocuidado.
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Converse com pessoas de confiança sobre o que está vivendo.
Você tem o direito de pedir ajuda, de se proteger e de estabelecer limites – mesmo com alguém que você ama profundamente.
Limites, Amor e Responsabilidade
Amar um familiar em sofrimento psíquico não significa anular-se, suportar violência ou se colocar em risco. Colocar limites é também uma forma de cuidado. O equilíbrio entre acolhimento e firmeza é delicado, mas essencial.
Lidar com surtos agressivos dentro de casa não é apenas um desafio emocional – é uma experiência complexa que exige rede de apoio, suporte terapêutico e ação coordenada.
Recursos Úteis
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CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) – Atendimento gratuito para pessoas com transtornos mentais.
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CRAS / CREAS – Apoio social e jurídico à família.
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SAMU 192 – Emergência médica com suporte psiquiátrico em algumas cidades.
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Grupos de Apoio a Familiares – Presenciais ou online.
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Livros Recomendados:
-
“Sobrevivendo à Loucura na Família”, de Xavier Amador.
-
“Conviver com Alguém com Transtorno Mental”, de Ana Beatriz Barbosa Silva.
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Considerações Finais
Você não está sozinho nessa jornada. Há ajuda disponível. O caminho da convivência com alguém em sofrimento mental grave é difícil, mas não precisa ser solitário nem desamparado. Com informação, suporte profissional e estratégias terapêuticas, é possível construir uma convivência mais segura, amorosa e estruturada.
Cuidar do outro também é cuidar de si. E cuidar de si é essencial para continuar cuidando.
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