Quando a Falta de Confiança e Segurança Pode Interferir nas Relações Familiares e Sociais

 

A confiança e a segurança são pilares invisíveis, porém fundamentais, de todas as relações humanas. Desde a infância até a vida adulta, desenvolvemos vínculos baseados na percepção de que estamos seguros – emocional e fisicamente – com o outro. Quando esses elementos são frágeis ou inexistentes, as relações familiares e sociais tornam-se disfuncionais, inseguras e, muitas vezes, dolorosas.

Este artigo propõe um olhar terapêutico sobre como a falta de confiança e segurança interfere profundamente na convivência com familiares e amigos, impactando a qualidade de vida, os vínculos afetivos, e a saúde emocional dos indivíduos envolvidos.


O que é confiança e segurança nas relações?

Confiança é a crença de que o outro é digno de fé, que suas atitudes serão coerentes, respeitosas e previsíveis. Já segurança emocional é a sensação interna de que posso ser quem sou, expressar o que sinto, sem medo de julgamento, punição ou abandono.

Ambas se constroem ao longo da vida, especialmente na infância, por meio de experiências afetivas consistentes e empáticas. Quando essa construção é falha ou marcada por traumas, negligência ou instabilidade, a pessoa pode desenvolver sérias dificuldades para se vincular de forma saudável.


As Origens da Insegurança e Desconfiança

A insegurança relacional pode ter diversas origens:

1. Infância marcada por vínculos inseguros

  • Pais emocionalmente indisponíveis ou instáveis.

  • Ambientes caóticos, com gritos, violência ou abandono.

  • Falta de acolhimento diante das emoções infantis.

2. Traumas de traição ou rejeição

  • Traições afetivas.

  • Experiências de bullying, exclusão ou humilhação social.

  • Vivência com familiares manipuladores, críticos ou narcisistas.

3. Modelos relacionais tóxicos ou distorcidos

  • Crescer vendo relacionamentos marcados por desconfiança, mentira, vigilância ou abuso.

  • Repetição de padrões familiares disfuncionais na vida adulta.


Sinais de que a falta de confiança está afetando seus relacionamentos

A pessoa que não se sente segura emocionalmente pode apresentar os seguintes comportamentos:

Nos relacionamentos familiares:

  • Dificuldade em expressar sentimentos ou vulnerabilidades.

  • Expectativa constante de crítica, rejeição ou julgamento.

  • Comportamento controlador ou superprotetor.

  • Afastamento de encontros familiares por medo de conflitos.

Nas relações sociais:

  • Medo de ser ridicularizado ou de não ser aceito.

  • Evita criar vínculos profundos.

  • Fica na defensiva com frequência, mesmo em conversas simples.

  • Sente que precisa "provar" seu valor o tempo todo.


Ciclo de autossabotagem relacional

A falta de confiança frequentemente gera um ciclo vicioso, no qual:

  1. A pessoa teme ser rejeitada.

  2. Age com frieza, rigidez ou desconfiança.

  3. Os outros se afastam ou reagem negativamente.

  4. Isso confirma sua crença de que é inadequada ou não merece amor.

  5. O ciclo se repete.

Esse padrão pode se perpetuar por anos, impedindo a construção de vínculos saudáveis e duradouros.


Consequências emocionais e comportamentais

A longo prazo, a insegurança relacional pode causar:

  • Isolamento social.

  • Ansiedade social ou fobia de convivência.

  • Dificuldades no casamento e na criação dos filhos.

  • Dificuldade em confiar em colegas de trabalho, superiores ou parceiros.

  • Sentimento crônico de inadequação, solidão ou "não pertencimento".

  • Problemas de autoestima e autoconfiança.


O olhar da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

A TCC trabalha com a ideia de que nossas crenças centrais (frequentemente inconscientes) influenciam pensamentos, emoções e comportamentos.

Exemplos de crenças disfuncionais ligadas à falta de confiança:

  • “Ninguém se importa comigo de verdade.”

  • “Se eu mostrar quem eu sou, serei rejeitado.”

  • “Não posso depender de ninguém.”

  • “Se eu confiar, vou me machucar.”

A terapia ajuda a identificar, desafiar e reestruturar essas crenças, promovendo maior autonomia emocional e mais confiança nos vínculos.


Estratégias terapêuticas para reconstruir a confiança

1. Trabalho de autoconhecimento

Entender de onde vêm seus padrões de insegurança é o primeiro passo. A terapia ajuda a nomear dores antigas e dar sentido a comportamentos atuais.

2. Treinamento de habilidades sociais

Através de técnicas como role-playing e ensaio comportamental, é possível desenvolver:

  • Assertividade.

  • Comunicação não violenta.

  • Capacidade de pedir ajuda ou expressar emoções.

3. Exposição gradual ao convívio

Com segurança terapêutica, a pessoa pode se expor de forma gradual a situações sociais que antes evitava, criando experiências novas e positivas.

4. Prática de autorregulação emocional

Aprender a reconhecer e gerenciar emoções intensas (como medo, raiva ou vergonha) fortalece a segurança interna.

5. Psicoeducação familiar

Quando a família está envolvida na terapia, é possível quebrar padrões de julgamento, crítica e cobrança, abrindo espaço para vínculos mais empáticos e colaborativos.


Reconstruindo laços: é possível confiar novamente?

Sim. Embora a confiança seja algo que se constrói com tempo, experiência e repetição, ela é possível mesmo após anos de sofrimento emocional. O processo pode ser lento, mas cada passo em direção ao outro – com respeito às próprias emoções – é uma vitória.

Importante lembrar que:

  • Confiar não significa se anular ou se expor a riscos desnecessários.

  • Confiança saudável inclui autoproteção, limites claros e escuta interna.

  • É possível escolher com quem confiar e em que medida.


Exercício terapêutico prático: “Reconstruindo Pontes”

  1. Liste três situações em que você se sentiu rejeitado ou traído no passado.

  2. Escreva o que você aprendeu sobre relacionamentos a partir dessas experiências.

  3. Reflita: essas crenças ainda fazem sentido hoje?

  4. Pense em três pessoas com quem você gostaria de se relacionar com mais segurança.

  5. Escolha uma ação concreta para se aproximar, como um convite, uma mensagem ou uma conversa honesta.

Esse exercício, se feito com frequência, ajuda a reconstruir pontes internas e externas.


Considerações finais: confiar é um ato de coragem

A falta de confiança e segurança nas relações familiares e sociais não é apenas uma questão de timidez ou "jeito de ser". Trata-se, muitas vezes, de feridas emocionais profundas, que precisam ser olhadas, acolhidas e cuidadas.

Com o apoio terapêutico adequado, é possível transformar relações baseadas no medo em vínculos mais saudáveis, livres e verdadeiros. Confiar não é esquecer o que passou – é escolher viver de forma mais consciente, fortalecida e aberta ao afeto.


Indicações de leitura complementar

  • "Os Princípios da Cura Emocional", de David Viscott.

  • "A Coragem de Ser Imperfeito", de Brené Brown.

  • "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas", de Dale Carnegie.

  • "Mentes Ansiosas", de Ana Beatriz Barbosa Silva.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Resumo do livro "Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática" de Judith S. Beck

Resumo do livro : Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar

Resumo capítulo por capítulo do DSM‑5‑TR